Segurança na estrada e susto no rio - nossa experiência na Colômbia E-mail
Dom, 21 de Março de 2010 21:50

08 a 21/03/2010

Entramos na Colômbia um pouco assustados. A grande divergência de opiniões sobre a segurança local, tanto nos livros de turismo, quanto nas conversas com outros viajantes, além das famosas pesquisas da Du na internet, nos deixaram um pouco apreensivos. Considerando o histórico razoavelmente recente do país, acho compreensível. Reforçamos dois critérios importantes na logística prevista para a visita ao país: não sair do eixo da estrada principal, a Panamericana, e sermos ainda mais rigorosos em não dirigir à noite. Não posso dizer o quão relevante essa maneira de viajar foi para o resultado final, pois não vamos voltar e viajar de forma diferente para ver o que acontece, mas o fato é que essa foi uma das etapas mais tranqüilas que tivemos até agora. Muito policiamento na rua, sem corrupção, pelo menos conosco, e um povo muito alegre e acolhedor.

Chegamos a Ipiales, a cidade fronteiriça, e fomos rapidamente procurar um hotel, aproveitando que ainda era dia. Deparamo-nos de cara com uma figura pitoresca, o auto-intitulado Cejas, sobrancelhas em espanhol! Realmente ele tinha um telhado merecedor de respeito. Com semblante muito simples, tudo o que lhe sobrava acima dos olhos faltava-lhe dentro da boca. Era difícil falar com ele e não reparar que, na escalação do seu time de futebol, foram quase todos expulsos, sobrando somente um atacante e um ou dois laterais. Mas a figura desdentada compensava a má aparência por uma extrema habilidade com os visitantes. Mecânico de ônibus por profissão e recepcionista de turistas nas horas vagas, Cejas, em poucos segundos, entrou em dois hotéis, nos arrumou um quarto barato e também um abrigo para o Pezão: ele ficaria em uma oficina mecânica ao lado do hotel. Jantamos no próprio hotel e dormimos cedo, para realmente começarmos a conhecer a Colômbia no dia seguinte. De manhã, antes da saída, fui ao centro da cidade para contratar um tal seguro obrigatório que é necessário para trafegar por aqui. Foi dica de um australiano que encontramos na estrada. Fiquei meio injuriado, mas perambulei um pouco pela cidade e consegui o bendito seguro.

Pegamos a Panamericana rumo ao Norte, com destino a Popayán. Na estrada, muito policiamento. Uma mistura de exército e polícia toma forma através da Policia Nacional. Passamos por umas três blitz nesse dia, e chegou a ser engraçado. A mistura da pouca idade dos soldados com a forma um pouco, digamos, extravagante do Pezão fazia com que cada parada fosse quase um bate-papo. Nos paravam, perguntavam que carro era aquele e pra onde estávamos indo, ficavam com cara de espantados e, de forma muito risonha, nos deixavam ir! Fomos parados umas dez vezes durante toda a viagem na Colômbia, e adianto que somente em uma tivemos que mostrar os documentos! Teve uma vez que eu tentei insistir para mostrar o seguro obrigatório, “Mira! Yo tengo o seguro obrigatório!”, mas o cara nem deu bola e eu fiquei falando sozinho... Fiquei indignado! Queria mostrar o seguro de qualquer jeito. Sonhava com um guarda me pedindo o seguro, com aquela cara de “te peguei!”, e eu entregando o papel timbrado, todo satisfeito. Não rolou. Acho que foram as mágoas da polícia peruana... Essa facilidade com a polícia colombiana contrariou totalmente nossas expectativas. Nas pesquisas, a Du encontrou mais de uma vez frases do tipo “preparem-se para ser revistados”, “há cães farejadores”, etc... A única vez que eu tive que sair do Pezão foi pra abrir a janela lateral que adaptamos, pois o jovem fardado, que iniciou a conversa com um grito de “Ronaldinho!!”, estava louco de curiosidade para ver como funcionava. Depois, ele olhou os painéis traseiros, perguntou se tínhamos uma cozinha na parte de trás do carro, e nos deu adeus.

No caminho para a Popoyán, fomos apresentados à forma imutável das estradas colombianas: serra! É impressionante! Ou você está subindo, ou está descendo. Nesse meio tempo, ou você faz uma curva para a direita, ou uma para a esquerda! Não há retas, não há plano. São quatro as possíveis formas de manejo, resultado da combinação destas variáveis. A viagem simplesmente não rende!..Já na primeira serra que começamos a descer, ultrapassamos um ciclista. Como o evento de ultrapassagem foi meio apertado, eu só consegui olhar de rabo-de-olho, pra não tirar os olhos da estrada, mas foi o suficiente pra perceber que era um ciclista todo carregado, cheio de malas. Pensei logo que se tratava de um ciclista viajante. Fomos em frente. Quando paramos em um pedágio, ele passou por nós. Dessa vez era ele que estava muito rápido, e novamente só consegui ver um ciclista de capacete e alguns volumes no quadro e atrás da bicicleta. Saímos do pedágio e continuamos a decida. Sempre naquelas quatro estações. De repente, olhamos à frente e vimos o tal ciclista, voando baixo! Era difícil vê-lo, pois estava quase na mesma velocidade do Pezão. Falei pra Du: “- Pega a máquina e filma esse cara! Ele deve ser um desses viajantes de bicicleta e deve pedalar bem pra burro! Vamos filmar, de longe, ele fazendo umas curvas!”. Dei uma aumentada no ritmo pra tentar alcançar a bike. Não era fácil! O cara entrava em um “S” e sumia. Fazíamos o mesmo “S” e o cara estava mais afastado! O rei do pedal devia ter uma dúzia de camisetas amarelas, de líder da Volta da França, no armário! Conseguimos nos aproximar... Quando já conseguíamos identificar um pouco os movimentos dele, vimos ele dar uma pedalada no vazio... Sabe quando você vê uma figura que não sabe mexer nas marchas da bicicleta? Aí a bicicleta pega uma certa velocidade e o figura não tira o peão número um? Ele pedala a umas setecentas RPM e quase cai? Isso mesmo! O cara pedalou feio assim! Acabou com minha teoria de profissional no guidão... A Du desistiu de filmar. Só que foi aí que começou a emoção! Como é que esse mulambo está descendo tão rápido?! Assim que nos aproximamos um pouco começou uma curva pra esquerda. Estávamos na mesma velocidade dele e o velocímetro estava perto dos sessenta. O cara começou a fazer a curva... Estávamos a uns vinte metros dele, já com o pé no freio. De repente, no meio da curva, reparo que o maluco estava com o pé de dentro, o esquerdo, no chão! Tipo tentando frear a bicicleta! “- O cara tá saindo da estrada!” Não deu outra! O lambão começou a sair da estrada, passou pelo acostamento, que na verdade era quase uma vala de escoamento, e se esborrachou em uma placa de sinalização! Nessa altura, eu já tinha metido o pé no freio e parado no acostamento! Andamos mais um pouco, bem devagar, e paramos bem perto dele. Enquanto a Du pegava a caixa de primeiro socorros, eu cheguei perto... Pelamordedeus! O cara estava se contorcendo de dor com a mão no ombro direito, que foi o lado que ele usou para o abraço caloroso na placa. Na coxa do mesmo lado, uma ferida imensa, do tamanho de uma palma da mão. Vou poupar os detalhes. Basta dizer que estava horrível! Fizemos os procedimentos que aprendemos no curso de primeiros socorros e, enquanto outro motorista tentava ligar para uma emergência, ficamos na tarefa de acalmar ele, checar outros danos e colocar uma bandagem na ferida. Não parecia haver nenhum problema mais sério com ele. Olhei a bicicleta: sem freios da frente! Os volumes? Uma porção de latas velhas em sacos plásticos! Olhei para ele. Já estava mais calmo com a Du na função de enfermeira. Pensei: “O lambão vai sobreviver...”. O cara do telefone nada! Ele fez uma cara de “tô de saco cheio”, disse que ia continuar a descer e avisar a alguém lá embaixo. Fazer o quê? Como tínhamos acabado de passar por um pedágio, pensei em pegar o Pezão e subir de volta pra avisar. Mas não queria deixar a Du sozinha. Tive então a idéia de ir para o outro lado da estrada e pedir para um carro que estava subindo avisar. Estávamos a dois minutos do pedágio! Quando sinalizei pro primeiro carro... Policia Nacional! Não deu outra! Um caminhão com uns dez jovens milicos. Desceram e fizeram bonito. Pararam o trânsito e começaram a telefonar. De dois em dois minutos, nova ligação, com direito a bronca de “cadê a ambulância?!”. Em pouco mais de dez minutos o clima já era tranquilo. Estávamos mais calmos e já tínhamos respondido a umas quinhentas perguntas sobre o Pezão e suas aventuras. Depois de ver os soldados fazendo piadas, tendo arrancado risadas inclusive do acidentado, e de ver algumas poses dos milicos para fotos junto com o figura ensanguentado, vimos que não podíamos mais ajudar e partimos para Popayán. Ficamos ainda mais tranqüilos quando, cinco minutos depois de sairmos, vimos uma ambulância em sentido contrário. O lambão, na verdade um boliviano perdido nas estradas colombianas, ia sobreviver!

Chegamos a Popayán. Trata-se de uma pequena cidade, quase turística, se é que isto existe. Ficamos em um hotel bem próximo à praça principal e saímos para dar umas voltas. Tivemos um dos melhores jantares da viagem, com direito a taças de um bom vinho. Excelente! 

Sem grandes novidades, partimos para Cali, uma cidade que, infelizmente, ficou famosa por um grande cartel. Tomamos uma surra imensa para chegar ao Centro, de onde começaríamos a procurar os hotéis que o guia indicava. Quando chegamos, assim como em outros centros de cidades maiores, ficamos um pouco preocupados com a segurança. Fomos então para uma área um pouco melhor para morrer em alguns pesos a mais. Paciência. Como vínhamos numa certa correria desde Quito, decidimos ficar por duas noites. No dia seguinte, ficou claro que a nossa decisão de não nos afastarmos do eixo mais povoado da Colômbia iria fazer com que os programas também ficassem mais urbanos. Na verdade, nós achamos ótimo. Demos umas voltas pela cidade e aproveitamos para ir... ao cinema! Nada de parque. Nada de museu. Um programa comum pra variar! Sempre soubemos que a vida de viajante não poderia seguir a mesma rotina de um turista de temporada. Não dá pra ficar muitos meses em atividade turística sem parar. Sentimos isso em Cali, com quase dois meses de viagem, e curtimos demasiadamente a bela matada de saudades que demos de um cinema! Show!

Saímos de Cali em direção a Ibagué. Saímos sem pressa, pois a quilometragem a ser alcançada era relativamente baixa. Que nada! Foi disparada a pior serra que pegamos. Além de tudo, muitos, mas muitos!, caminhões. Pra piorar, um deles virou e criou a maior bagunça! Como se não precisasse, obras por todos os lados! Aliás, em toda a Colômbia. Resultado, quase três horas para um trecho de quarenta quilômetros! Com esse atraso, chegamos a Ibagué quase de noite. Ficamos bem perdidos e entramos no primeiro hotel que apareceu. Não saímos de lá até o dia seguinte, quando partimos para Bogotá.

O caminho para Bogotá foi bem mais tranquilo. Como era de se esperar, as estradas alargaram sensivelmente com a proximidade da capital. Chegamos a trafegar em vias de três pistas. Finalmente, o manejo deu uma rendida! Era um sábado, e no domingo haveria eleições. Pareceu-me até interessante, participar de um evento democrático em um país historicamente conturbado como a Colômbia. Quem sabe alguma manifestação pra dar uma animada? Chegamos e nos hospedamos em uma área um pouco mais afastada do centro, novamente para fugir da intranqüilidade. Chegou o domingo e... nada! Não dava pra saber que estavam ocorrendo eleições. Nem um panfleto. Nem uma buzina... Frustrante. Além de tudo, as eleições trouxeram consigo, para todo o final de semana, até segunda-feira pela manhã, uma famigerada lei-seca que esvaziou por completo aquilo que mais nos impressionou em Bogotá: os bares e restaurantes. Eles são simplesmente fantásticos! Todos muito bem produzidos. E aos montes! Mas vazios... No domingo de manhã demos uma volta de bike. Muito bom. Sol forte. À noite, apelamos e saímos mesmo com lei-seca. Muito ruim. Não se trata de achar que é indispensável bebermos. Não mesmo. Passamos bem sem o álcool e o usamos moderadamente. Abusos, só de vez em quando. Mas uma rua inteira de bares, todos hiper-decorados, simplesmente fica morta em uma noite de proibição de bebidas. Metade deles fechada. A outra metade, com meia dúzia de gatos pingados bebendo um suco “deprê” ou um coquetel sem álcool. Totalmente sem graça! Acabamos em um fast food mexicano. Rimos um pouco do visual da molecada alternativa colombiana e foi só... 

Na segunda-feira, fomos ao centro histórico, chamado Candelária, para a Du tirar umas fotos. Ela estava indignada dizendo que o diário da Colômbia não ia ter nenhuma foto. Até parece! À noite, partimos para uma nova tentativa na região dos bares e restaurantes. Era segunda-feira, mas e daí? Fomos a um bar indescritível, chamado Andrés D.C.. Na verdade, é uma recente filial de um bar muito famoso, chamado Andrés Carne de Rés,  que fica em Chiá, a uns quarenta minutos de Bogotá. O bar é fascinante! Todo alternativo. Tudo muito bem arrumado. Nos detalhes, um imenso bom gosto! Boa comida, um pouco caro. Como dizia uma placa: “Bueno, Bonito y Carito”. Quem tiver curiosidade, coloque o nome do bar no Youtube e veja como é legal! A Du ficou se remoendo de raiva de não ter levado a máquina.

Saímos na terça-feira em direção a San Gil, uma cidade turística da região de Santander que se diz a capital da aventura destas bandas. Beleza! Antes de pegar a estrada, uma passada no Museo del Oro. Fabuloso! Indico a qualquer um. Era permitida a fotografia e a Du, que ainda estava com o dedo coçando de tão poucas fotos, fez o inventário completo. Umas excelentes quase quinhentas fotos! 

Chegamos em San Gil sem problemas. Cedo. Já no primeiro hostal que paramos, conhecemos um cara que também agendava passeios. Como já havíamos pensado antes, vamos fazer um rafting! O rio tinha um lugar com o sedutor nome de Infiernito! Marcado! Só não dava pra ficar nesse hostal porque não havia vaga pro Pezão. Ele nos indicou um outro hostal, mais afastado, e ficou de nos apanhar no dia seguinte para a descida nas corredeiras. Chegamos à pequena pousada e fomos super bem recebidos. Já na primeira impressão, ficou claro que se tratava de excelentes pessoas. Dormimos bem e acordamos cedo para nossa aventura que, pelo decorrer dos fatos, merece um capítulo à parte.

Rafting

Já fizemos raftings outras vezes no Brasil. Visivelmente um esporte com um certo risco. Mas nossas experiências anteriores em Brotas, SP, a Du inclusive mais de uma vez, foram as melhores. Adrenalina, mas sem sustos! 

Desta vez seria diferente.

Pra começar, chuva na véspera. Bastante. Pra mim, ótimo! Gosto de desafios. A van chegou no meio da manhã para nos buscar. Subimos a bordo e havia um imenso grupo. Umas doze cabeças. Canadenses, israelenses e uns franceses com os quais viemos batendo um papo sobre futebol. Chegamos no local de entrada no rio, e três botes azuis nos aguardavam. Rolou a divisão dos grupos e dos equipamentos de segurança, capacete e colete. O coração começou a bater um pouco mais rápido. Colocamos a G10 na caixa estanque e nos preparamos para fazer um vídeo do evento. Um dos guias me falou que eu não poderia usar a máquina no Infiernito, pra não atrapalhar. Tranquilo. Poderia levar a máquina nos primeiro minutos, antes dessa corredeira grau cinco. O clima da preleção estava um pouco relaxado demais, e os guias eram bem novos, mas imaginei que estavam à altura do que viria pela frente. Afinal, tinham mais de doze turistas.

Pra água! Saímos agitados, como seria de esperar para a aventura. Veio a primeira corredeira. Olhei e achei que era fácil. Depois de alguns gritos de “- Todos adelante”, sinal para remar, “- Alto”, para parar de remar, etc., passamos sem problemas. Olhei pra Du com aquele sorriso de felicidade pós-adrenalina. Passamos por mais uns dois brinquedos desses e paramos, ao que me pareceu, para uma tomada de decisão sobre qual caminho seguir. Estava chegando o tal do Infiernito! Com isso, deixei a máquina de lado.

Iniciamos a descida... Passamos por mais um ou dois pontos mais fáceis. De repente, surgiu a nossa frente uma imensa corredeira! As águas revoltas, diferentes das anteriores, iam até onde a vista alcançava! Um infinito corredor de águas nervosas e pedras salientes! Não deu tempo de pensar muito. Em poucos segundos estávamos dentro dela. Depois disso, foi como um filme. Bem no início, uma batida em uma pedra fez com que o barco mexesse muito, desestabilizando todos os remadores. Duas pancadas abaixo, e os gritos do timoneiro já não faziam efeito! Lembro de ver pessoas do mesmo lado remando opostamente! O caos se instalara! Não demorou muito e o bote foi de cara em uma pedra. Ele subiu como se ela fosse uma rampa e parou de lado. Nisso, a água, com uma força impressionante, empurrava a lateral que ficou embaixo. Rolou uma gritaria. O bote parou assim por uns dois segundos e depois virou de forma abrupta! Aí começou o drama. Em um piscar de olhos o bote tinha sumido da minha frente e eu já ia a toda velocidade na direção da correnteza. “Pés pra frente!”, lembrei da preleção. A velocidade começou a ficar medonha, e os solavancos de sobe e desce, incrivelmente rápidos! É difícil lembrar exatamente o que se passou naqueles eternos segundos, mas tudo se transformou na intensa alternância entre dois cenários: um, marrom e difuso, embaixo da água, foco em prender a respiração e voltar pra cima. O outro, em cima, tentando respirar o máximo que dava e puxando o colete para baixo, que nessa hora sobe e fica quase do lado das orelhas, para tirar a cabeça da água. Em todos os dois, sendo chacoalhado de maneira incrivelmente forte, como se fosse uma soca eterna de uma onda de um belo tamanho. Estava em cima! Ar! Pés pra frente! Veio uma pedra e depois, a queda. O corpo perdeu a sensação de peso durante uns dois metros. Senti a força das águas me empurrando pra baixo! Novamente o cenário marrom! Fôlego! Pra cima! Depois de algumas dessas idas e vindas dessa, comecei a ficar realmente cansado e percebi que o que estava acontecendo era grave. Na mesma hora pensei na Du. Foi disparado o pior momento da minha vida. O fato de eu não estar perto dela e saber que ela estava passando por tudo aquilo me levou ao desespero. Fiquei muitos metros mais nesse estresse, mas já não me importava comigo. Buscava o ar como que por reflexo de sobrevivência, mas não conseguia parar de pensar nela. Uma queda me jogou bem fundo! Perdi totalmente a noção de frente e trás, de cima e baixo! Voltei pra cima, por força do colete, e estava de barriga pra baixo, com a cabeça pra frente. Ou seja, pior impossível! Indo nessa direção eu me desesperei e comecei a tentar jogar os pés pra frente, rodando por baixo e ficando meio que ajoelhado. Não deu outra! Uma forte pancada na canela, em uma pedra embaixo d’água, e eu estava de novo de barriga pra baixo! Me debati como se quisesse voar, e então consegui rodar no próprio eixo e ficar com os pés pra frente, só que ainda de barriga pra baixo. Aí, virar de barriga pra cima foi mais fácil. E a Du?! Desespero...

Estava mais ofegante que nunca! A bateção deu uma acalmada, de meio segundo, e eu vi que ia passar por cima de uma pedra imensa! Parcialmente submersa. Ela era a mais alta queda até então, e me jogou bem pra baixo! Comecei a ser turbilhonado de uma maneira diferente: não ia pra frente nem pra trás! Nem pra baixo, nem pra cima! Ficava simplesmente rodando embaixo d’água como se fosse em uma máquina de lavar! Nadava sem efeito para o que seria, teoricamente, o lado de cima! Preleção! Virar uma bola!... Agarrei meus joelhos contei até três. Depois soltei e tentei nadar de novo. Cheguei à superfície! Funcionou!... Nessa hora, o rio estava mais calmo. Olhei pro lado e vi uma pessoa na borda. Só pensava na Du. Era o nosso timoneiro me estendendo o remo. Nem precisou, porque eu já estava tocando uma pedra da borda. Subi na pedra e comecei a gritar com ele, perguntando da Du. Ele me perguntava se eu estava bem e eu perguntava da Du! Pelos olhos de pavor do moleque eu vi que ele não tinha o menor controle do que estava acontecendo. Vi um náufrago mais abaixo, meio ao longe, indo na direção de mais algumas corredeiras. Tinha o mesmo porte da Du e estava também com capacete vermelho! Me desesperei e, por um segundo, pensei em me atirar de novo no rio! Quando estava nesse momento de descompasso, ouvi a voz da Du saindo da mesma grande pedra que eu estava, só um pouco abaixo! Incrível! Alívio! Ela estava muito assustada, mas deu pra ver que ela estava inteira! Não era fácil chegar até ela, ainda mais que eu estava muito fraco pra andar em pedras. Então simplesmente desabei sentado na pedra e agradeci por ela estar bem. Sabia que todo o resto era resolvível...

Recompomo-nos e nos abraçamos. Que susto! Depois de uns quinze minutos parados, começamos a descer em direção ao final da última parte rápida que, por sorte, conseguimos parar antes. Caminhamos por uma meia hora pelas pedras da margem, tempo que foi suficiente para contabilizar os prejuízos e nos acalmar. Dei uma pancada forte com a canela esquerda, mas foi só a pancada, não quebrou. A Du também bateu com as duas pernas, um pouco mais leve, mas garantiu uns belos roxos e várias mancadas pros próximos dias. Perdemos a minha aliança e um dos brincos dela, que foram presentes de casamento dos meus pais. Paciência... Estávamos bem e era isso que importava.

Quando chegamos embaixo, vimos o pessoal agitado e um cara deitado. Ele deu uma bela pancada, também com a canela, só que ainda mais forte. Visivelmente a canela do israelense não estava quebrada, mas ele e seu amigo faziam um drama imenso. O carro veio e saiu correndo pra levar ele pro hospital. Não quisemos ir. Depois de andarmos por meia hora em pedras, sabíamos que não tínhamos quebrado nada.

O problema foi que a partida do carro, com funções de ambulância, fez-nos perceber que precisaríamos continuar nos botes. Fizemos um escândalo e, depois de várias juras de que o Infiernito já tinha passado e que pra baixo era fácil, topamos entrar no bote. O humor já tinha ido pro infiernito, e as piadas dos moleques do comando não tinham a menor graça... Passamos por duas correntezas mais fortes, em nada comparáveis com a de cima, e realmente não foi muito legal. Não tinha mais clima. Em uma delas... Adivinhem? O bote virou! Inacreditável! Era fácil, pequena, e o moleque conseguiu que a porcaria do bote virasse! Como era mais fraca, ficamos todos agarrados no bote, e em menos de um segundo eu estava segurando a Du. Ela estava indignada! Subimos no bote e batemos boca com o timoneiro! Obrigamos ele a encostar e simplesmente descemos do bote! De uma vez por todas: pro infiernito com esses picaretas! 

Continuamos a pé na estrada que passava acima do rio, com um indignado canadense ao nosso lado, e chegamos a um restaurante. Lá todos esperavam pelo carro. Voltamos para a pousada revoltados! Chegamos a achar um pingo de humor depois do primeiro e grande susto, mas a segunda virada nos tirou do sério! Desabafamos muito com o pessoal da pousada. Eles ficaram muito chateados, inclusive uma das filhas do casal estava em um dos botes que virou e também se machucou. Eles foram muito atenciosos. Ao final do dia, uma representante de uma empresa de rafting esteve na lá e, para o aumento da minha indignação, falou que o rio estava sabidamente alto e espantou-se de empresas fazerem o passeio no Infiernito naquele dia. Fiquei pau da vida! Ficou clara a crescida de olho da empresa que fomos! Não queriam cancelar o passeio ou ir a algum lugar mais baixo e, por conseqüência, mais barato. Começamos a quebrar o pau sobre o assunto. A Du escreveu para o site do Ministério do Turismo da Colômbia e eu fiquei de citar o nome da empresa desonesta no diário: Chicamocha Rafting Expediciones. Espero que tenham bastantes dificuldades em seguir com o negócio.

Tivemos que mudar um pouco os planos e ficar mais um dia em San Gil, para recuperar as canelas e os joelhos. Aproveitamos para navegar bastante pela internet, ver uns filmes e ler. Sempre de pernas pra cima, nos divertimos um bocado com o pessoal da pousada. Decididamente foram os donos de estabelecimento mais simpáticos que encontramos até agora, e nos demos muito bem. Teve até uma sessão de corte de cabelo, algo que estávamos empurrando com a barriga fazia tempo! Engraçadíssimo. Tivemos que filmar!

Fica aqui um forte abraço para a D. Martha, seu Vicente, Pilar e Catalina! Indicamos a todos os viajantes destas bandas que venham ao Refugio del Raizal Hostal! Ele fica na Cra. 12 No. 4-34 do bairro La Playa de San Gil. Dá pra entrar em contato pelo email no [email protected]. Esta é a primeira vez que citamos com tanta clareza o contato de um local onde nos hospedamos, mas eles valem à pena!

Saímos de San Gil, já melhores, em direção à fronteira. Na verdade, teríamos que dormir no caminho, então paramos em uma cidade de serra chamada Pamplona. Era sábado à noite, e tivemos que dormir com a emocionante cantoria de um karaokê tamanho família, onde desafinados adolescentes recebem um microfone ligado ao um sistema de som com a mesma potência de um show do Pink Floyd. Me senti um velho reclamão, mas realmente aquilo devia ser proibido. Rimos de algumas gritarias e partimos pra fronteira no dia seguinte.

Chegamos a Cúcuta, na fronteira Colômbia-Venezuela. Sem demora, passamos pela imigração e carimbamos o passaporte. Depois, na alfândega de saída, um pouco de demora por causa de um erro no documento do Pezão. Pra variar!  No lado venezuelano, a imigração também foi rápida, porém, na vez do Pezão, a alfândega estava fechada! Era domingo, e eles só abrem de segunda a sexta. Conseqüência: tivemos que abandonar os planos de rodar mais uns duzentos quilômetros na tarde de domingo e ficar na emocionante cidade fronteiriça de San Antonio.

Ficamos felizes por ter conhecido a Colômbia, principalmente alguns de seus habitantes. E conseguimos tirar algumas boas lições do susto que passamos. Consideramos, este, o sempre existente lado positivo das coisas: aprendemos que vamos ter que confiar menos facilmente nas aventuras que contratarmos, principalmente em países menos estruturados.

No fim de mais um país estamos bem, felizes e seguindo em frente. Cada vez mais unidos!




 
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