DIÁRIO DE BORDO África Malaui Malaui em festa

Malaui em festa E-mail
Ter, 15 de Março de 2011 07:01

18/12/2010 a 03/01/2011

Vínhamos conseguindo, rotineiramente, resolver as burocracias das fronteiras de forma razoavelmente ligeira. Principalmente no que diz respeito aos vistos, os países africanos mais nos pareceram cobrar uma taxa do que efetivamente os custos da avaliação de um candidato a turista. Melhor assim, nada muito entravado. Isso deu uma mudada no Malaui.

Demos saída normalmente da Tanzânia, tanto do Pezão como nossa. Quando fomos entrar no Malaui... “Cadê o visto?”, perguntou o de uniforme. “Não temos e justamente estávamos pra dizer que precisamos comprá-los”. “Mas aqui não vende, vocês vão ter que voltar à capital da Tanzânia e aplicar para o visto por lá!”.

“Ferrou!”. Ia ser uma perda danada voltar à Tanzânia! Primeiro, teríamos que comprar novos vistos de entrada lá, se por acaso ali vendessem. Segundo, importar de novo o Pezão e gastar mais uma das contadas folhas do Carnê de Passagem. Digo, realmente contadas! Não tínhamos nenhuma sobrando se quiséssemos chegar à África do Sul. Isso tudo sem contar com uma semana, pelo menos, perdida para ir e voltar a Dar es Salaam. Fizemos, então, o que seria mais razoável e esperado em um momento como esse: começamos a implorar.

Mediante a choradeira, acabamos conseguindo falar com o responsável pela fronteira, que nos liberou uma entrada provisória e nos orientou a ir, sem falta, ao departamento de imigração de uma cidade próxima, Mzuzu. Como era sexta-feira à tarde, nos comprometemos a ir à imigração na segunda-feira pela manhã. Agradecemos imensamente e seguimos rumo ao lago. Alívio!

A primeira parada foi na cidade de Chitimba. Acabamos em um camping razoavelmente estruturado e de frente para o lago. Paramos o Pezão e preparamos nossa casa. Depois, um pulo no lago. Tivemos, então, um primeiro contato com a garotada local. Em verdade não foi nada muito agradável. Não eram crianças pequenas, quase adolescentes, e não estavam muito interessados em nos conhecer. Pareciam somente dispostos a conversar para, ao final, pedir algo. Nada que já não estivéssemos acostumados, mas não era realmente nossa idéia para esses dias no lago. Voltamos ao camping, relaxamos tomando umas cervejas e acabamos dormindo cedo.

A coisa no camping deu uma complicada pela lotação. Isso mesmo! Lotação na meiúca do Malaui! Quando chegamos, já havia um ônibus de excursão – rola muito na África essas excursões de imersão pela África, quando o pessoal vai sendo carregado para as áreas mais remotas, acampando e dormindo onde dá. Quando voltamos do lago, já havia mais dois. Olhamo-nos e lembramos dos escassos banheiros. Pouco depois, mais um ônibus lotado chega ao local! “Pelamordideus! Estão TODOS aqui?!”. Nada disso. Ainda estávamos lamentando a hiperlotação quando o portão abre de novo. A Du manda, de brincadeira: “Odeio quando esse portão abre...”. Eu ri, pois sabia que não podia haver mais ônibus, pois tinham acabados as frases “Wild Africa”, ou “Africa Expeditions” para colocar nas laterais. Estava errado. Mais um ônibus apontou pela porta! Foi um espanto inclusive para o pessoal do camping. A partir daí os responsáveis não tiveram mais sossego. Foi um tal de chamar reforços e comprar mais mantimentos até tarde. Mas, no final, deu tudo certo. 

O dia seguinte foi de descanso e proveito total. Ficamos de bobeira no acampamento e fomos ao lago. A fúria da garotada em nos abordar foi imensa. Cinco segundos após chegarmos à beira d’água, já estávamos cercados por uns dez moleques. Eles nos metralharam por quase dez minutos com perguntas em inglês de todos os tipos: “Onde vocês moram? Como chegaram aqui? Qual seu nome? O que significa? Gosta de esportes? Quais? Sabe nadar? Fala que língua? Sabe francês? Sabe espanhol?”. Cacetada! Tivemos alguma paciência, mas ela se esgotou quando os mais velhos começaram com perguntas um pouco mais capciosas: “É muito caro viajar de carro? Você tem dinheiro para trocar?”. Aí, só nos restavam duas opções: voltar novamente para o camping e desistir do lago, ou dar uma engrossada de leve e espantar o grupo. Não tive dúvidas: “Chega! Isso tá parecendo um interrogatório! Já respondemos inúmeras perguntas... Poderiam nos deixar um pouco sozinhos?”. Funcionou. Ganhamos algumas caras feias, mas também um pouco de paz.

O final da estada em Chitimba foi totalmente relaxante, à exceção da agonia de um turista que estava passando muito mal. Nessa multidão, alguém tinha que passar mal! Ninguém sabia exatamente o que ele tinha, então havia um revezamento entre o pessoal deles para ficar cuidando do cara, que simplesmente não se movia de um colchão improvisado no chão. Saímos de lá com a notícia de que o pessoal dele estava, ao que parecia, com tudo certo para ele seguir de helicóptero para algum aeroporto próximo e depois voar para Johanesburgo, na África do Sul. Não tivemos mais notícias. Viajar pela África é isso aí...

Nossa próxima parada era Nkhata Bay, outro cobiçado destino à beira do lago. Antes, a tal passagem pela imigração na cidade de Mzuzu. Chegamos à empoeirada Mzuzu na hora do almoço e, obviamente, o departamento de imigração estava fechado. Procuramos, sem muita esperança, um lugar para almoçar. Nosso achado foi até surpreendentemente satisfatório – uma comida barata e caseira, inclusive com feijão! Logo após o almoço, voltamos à imigração. Na chegada, cerca de vinte pessoas esperavam do lado de fora. Até aí, tudo bem. Conseguimos com o cara da roleta a informação de que era ali mesmo que devíamos ficar. Mas, quando a porta foi aberta, o circo levantou! Todo mundo saiu empurrando todo mundo e uma real baderna instaurou-se no local. Estávamos em uma situação estupenda! Não sabíamos onde pagar, onde carimbar, onde não carimbar, e nossa única referência – uma teórica fila – virou um legítimo mafuá!

Não teve jeito. Respirei fundo, entreguei tudo que estava comigo para a Du, e encarei a bagunça. Após uns vinte minutos, a bagunça virou uma espécie de sucursal do inferno – todo mundo espremido e se acotovelando sem nenhuma ordem em uma sala cujo odor não vou descrever. Mais alguns minutos na mesma exata posição me fizeram perceber que eu não conseguiria sair dali com o problema do visto resolvido. Estava mais sufocado do que no acidente de rafting na Colômbia! Vez por outra eu olhava para a Du, que havia entregue nossos passaportes para o tal cara da roleta, e nossos olhares eram de total desânimo. Porém, pouco tempo depois, a voz da salvação veio com um: “Hey, white man! Come over here!”. Olhei em volta e realmente eu era o único de pele pálida no local. Fui pedindo licenças e desculpas até conseguir sair da sala dos infernos. Fomos então levados para uma sala separada.

“Que alívio!”. Ficamos nessa sala por mais de duas horas, observando com interesse a total desorganização local. Era um entra, sai, pede favor, nega, ri, reclama... Algo como o Brasil dos anos oitenta. Nesse meio tempo entendemos o que acontecia: era dia 20 de dezembro, e os passaportes do modelo antigo dos malauianos perderiam sua validade no dia primeiro de janeiro. Finalmente, conseguimos nossos vistos e carimbos de entrada no país e saltamos fora.

Saímos correndo do prédio, antes de alguém se arrepender e nos dizer que ainda faltava alguma coisa, passamos em um supermercado e fomos diretos para Nkhata Bay. Depois de passar pela entrada da cidade um pouco assustados com certo tumulto que estava rolando na rua, acabamos por encontrar uma pousada extremamente agradável e confortável, bem em frente a uma praia pequena e vazia. Não tivemos dúvidas de que ficaríamos por lá alguns bons dias.

Dormimos bem, comemos bem, tomamos umas cervejas à beira do lago e recarregamos as baterias. A estadia em Nkhata Bay foi realmente especial. Lá, a Du teve seu primeiro contato mais tranqüilo com as crianças do Malaui – sem aquela aporrinhação desenfreada, simplesmente brincadeiras. Ao final, um ou outro pedido, mas algo totalmente razoável. Perguntei para o cara do bar e ele me falou que todas aquelas crianças iam à escola e estavam somente de férias. Realmente uma situação significativamente mais estável que as anteriores, o que garantiu uma interação bem mais saudável.

Nosso próximo destino no lago era o seu extremo sul, na região de Monkey Bay. O caminho era razoavelmente longo, então programamos uma parada em um canto qualquer para cortar a pernada ao meio. Chegamos a uma cidade minúscula, quase uma simples aglomeração, mas grande o suficiente para ter um hotel. Como ainda era cedo, pouco antes das quatro da tarde, combinamos em somente parar na aglomeração se conseguíssemos uma internet, pois estava perto do natal e queríamos mandar nossas mensagens ao Brasil. O quarto do suposto hotel era um muquifo, mas não seria problema para nós, pois o calo estava no auge da forma. O problema foi a tal internet. Perguntamos ao malandro que tomava conta do lugar: “Tem internet?”. Ele ouviu a palavra meio desconfiado, torcendo o nariz, e fez uma cara de que não entendeu. Insistimos: “Tem internet? Computador!”. Como a expressão de “falam grego comigo” dele não desaparecia, busquei o computador no carro e mostrei para ele: “Vê? Internet! Apontando para a porta de entrada do cabo. Ele fez, finalmente!, uma cara alegre e nos levou para a parte de trás do “empreendimento”. Andamos por entre roupas no varal e cachorros lânguidos e surgimos na frente de uma casa. Nessa hora, ganhamos a grata companhia de um ventania que estava pra lá de Mzuzu. O cara, de uns vinte e poucos anos, estava completamente mamado. Mas completamente mesmo. Ele não falava nada, só soltava uns grunhidos, e resolveu nos seguir. Deve ter pensado: “Nada pra fazer mesmo... Vou seguir esse pessoal de Marte que acabou de pousar por essas bandas.” Ficamos a cargo dos dois malandros na frente da porta da casa, quando uma senhora idosa saiu e começou a falar com o nosso “gerente”. Nesse momento eu já tinha certeza de que ali não tinha internet. Eu ficaria extremamente espantado se ali tivesse uma máquina de escrever, o que dirá um computador! Mas as conversas entre eles, na língua local, estavam até animadas – menos o mamado, que nessa hora não conseguia nem segurar a própria cabeça – e fiquei com a impressão de que iria queimar a língua. Ele me mandou entrar, satisfeito da vida, e nos mostrou uma... tomada! “Putz! O figura não tá pescando nada!”. “Bora catar outra cidade que desse mato aqui não sai cachorro!”.

Rodamos por mais duas horas, chegando à cidade de Salima já ao final da tarde. A missão agora era achar estadia, porque internet tinha virado luxo. Achamos um hotel bem aporcalhado, mas com o dono mais engraçado da região. O cara era uma peça, e falava tanto quanto cuspia. Depois de colocar as malas no quarto perguntamos a ele, meio desanimados, sobre internet. Não é que tínhamos uma Lan House a duas quadras do hotel?! “Fulana, vou ao meu escritório fechar tudo porque vou levar os brasileiros ali na internet!”. Tínhamos ganhado status de gente importante no pedaço. A internet era extremamente lenta, como de se esperar, mas ficamos mais felizes em saber que nossos emails desejosos de saúde e paz aos amigos e familiares haviam cruzado o Atlântico.

Na volta vimos uma daquelas cenas que parece que só a África pode criar: o terreno em frente ao nosso hotel estava repleto de vaga-lumes. É difícil passar o quanto a quantidade de vaga-lumes era impressionante. Dezenas, centenas, milhares. Dezenas de centenas de milhares. Não sei. Mas para visualizar o quanto a cena impressionava, basta dizer que ainda reunimos forças para pegar a máquina e o tripé no Pezão para tentar registrar o espetáculo. Foi em vão, e as fotos não passaram no crivo da nossa cada vez mais rigorosa fotógrafa, mas valeu o tempo observando a nuvem cintilante.

Acordamos cedo, tomamos um dos piores cafés-da-manhã de toda a viagem e zarpamos em direção a Monkey Bay. No caminho, seguindo uma dica dos nossos amigos holandeses Arjan e Inge, ficamos de olho nas miniaturas de Defenders que o pessoal local faz em madeira e que você pode comprar por um preço inacreditável. Não tivemos dificuldades em achar o “Toys R Us” (toys are us) bem na beira da estrada e saímos contente com uma recordação incrivelmente bem feita do nosso amigo Pezão. Na volta à estrada, vimos um grupo sorridente que carregava um não tanto sorridente porco. Ao ver o Pezão e nos identificar como turistas, um deles (não o porco) nos convidou com um largo sorriso (viram? não era o porco) para a festa de Natal em um lugar que não tínhamos entendido bem o nome. Agradecemos o convite e seguimos em frente.

Chegando ao destino, nos dirigimos para uma parte dessa costa do lago chamada Cape Maclear. Trata-se do local favorito dos turistas na região, e um dos mais disputados. Como poderia esperar-se em véspera de Natal, não conseguimos vaga. E não estou falando em quarto, não. Não estávamos conseguindo vagas nem para acampar!

Quando fomos ao segundo local que o GPS indicava haver um hotel/camping, nos ocorreu uma das cenas mais tocantes de toda a África. Para chegarmos à praia, tivemos que atravessar um povoado muito pobre e denso. Centenas de casas, aglomeradas como caixotes em final de feira e separadas por ruas lamacentas de areia, formavam uma comunidade à beira da miséria. Era dia vinte e quatro de dezembro e as crianças, inúmeras delas, saíam trôpegas em direção ao Pezão quando nos avistavam. Motivados pela data festiva, gritavam simplesmente a palavra “Christmas” na esperança de que, dessa vez, finalmente, algo fosse ser apoiado nas palmas de suas mãos sempre estendidas. Foi um momento extremamente emocionante para nós. Simplesmente não sabíamos como reagir. Crianças de todos os tamanhos, muito mal vestidas e sujas, disparando em nossa direção com um olhar que misturava espanto e esperança. Alguns abriam um largo sorriso, como se tivessem a certeza de que estávamos lá exatamente para entregar os presentes de Natal. Como se preparar para uma cena daquela? A vontade era de parar e começar a dar tudo o que tínhamos. Porém, como garantir que manteríamos o controle da situação? Em certos momentos, as ruas eram tão estreitas e a quantidade de pessoas nos olhando tão grande, que o simples fato de imaginarmo-nos parados me dava calafrio. Não havia condições e não podíamos arriscar tanto... Seguimos em marcha lenta até passarmos pela comunidade, deixando pequenos olhares incrédulos no retrovisor. Engolimos a seco e nos olhamos. A Du estava assustada e comovida, e a sua máquina fotográfica pousava desligada em seu colo.

Seguindo a sugestão de um dos turistas que encontramos na recepção de um camping, rumamos para a própria Monkey Bay, em direção a um camping dirigido por pessoal local, não por europeus. Pareceu-nos ótimo. Quando falaram o nome, a Du comentou que soava igual ao do pessoal que estava com o porco perto das miniaturas de Defenders.

O caminho até lá, de pouco mais de trinta quilômetros, foi bem rápido. Chegando ao camping local encontramos algo totalmente diferente. Tudo era um pouco mais bagunçado, e latas de lixo raridade, mas os sorrisos compensavam qualquer impressão ruim. Não havia qualquer turista à vista, somente um pessoal local, então tivemos a certeza de que aquelas pessoas fariam de tudo para nos agradar. Não estávamos enganados.

Desde o início, a estadia em Monkey Bay foi fantástica. Paramos o Pezão em frente a uma área coberta, que acabou sendo quase que exclusivamente nossa, nos refrescamos no lago e cozinhamos fartamente. Todos que trabalhavam no alojamento eram muito risonhos e divertidos. O mais figura, que ficou muito nosso amigo, se intitulava Tiger. Vez por outra, estávamos cozinhando ou bebendo algo no bar, quando ouvíamos um grito: “TIGER!”. Parecia que era alguém procurando por ele, mas, na verdade, o figura era tão empolgado que ele mesmo se anunciava. Outra que ficou bem próxima foi uma garota que perguntou se tínhamos roupas para lavar. Respondemos que sim e ela me pediu para pagá-la no fim do dia, mesmo antes de ela entregar a roupa lavada, de maneira que pudesse comprar algo para as filhas no Natal. Na hora de pagar, dei uma gorjeta de quase metade do que ela tinha cobrado. “Para as meninas”, disse. Ela abriu um imenso sorriso. Do meu lado, senti uma alegria avassaldora. Ainda tinha as crianças de Cape Maclear na memória...

O dia 25 de dezembro reservava ainda uma festa local. Centenas de pessoas da região, incluindo crianças, adultos e velhos começaram a aparecer para a festividade. Como às vezes a felicidade de uns é a tristeza de outros, o porco não se divertiu tanto, ao que parecia ao ouvir seus gritos e depois seu silêncio.

A festa foi divertidíssima. Meia dúzia de turistas apareceram para nos lembrar que ali era um alojamento. Danças típicas e muita, muita cerveja, fizeram com que o ambiente ficasse eufórico.

O dia seguinte foi de ressaca, lago e muita água para beber. Tínhamos que nos preparar para o que tínhamos planejado: ir até o litoral do Moçambique a tempo de pegar a festa de virada de ano. As perspectivas de ambiente lotado nos preocupavam um pouco mas, no final, tudo é festa, então partimos assim mesmo.

Paramos para pernoitar em Blantyre, uma cidade que nos surpreendeu em desenvolvimento. Saímos cedo em direção à fronteira mais ao sul entre o Malaui e o Moçambique, novamente sem vistos. Na verdade, a experiência na borda de entrada do Malaui serviu mais para ver que “algum jeito a gente sempre dá”. Novamente... Mais ou menos.

Quando chegamos à fronteira era, como de costume, hora do almoço. A estrada foi péssima, claro sinal de que a fronteira era pouquíssimo utilizada. Esperamos um pouco até a chegada do cara da alfândega, com quem carimbamos a saída do Pezão. Porém, quando falamos com um garoto que se disse responsável pela imigração ele mandou: “Cadê os vistos para o Moçambique?”. “Não vende lá?”, perguntei. “Com certeza, não”, foi a infeliz resposta dele. “Tudo de novo! Que saco...”, lamentei.

Pedi para ir ao lado do Moçambique para tentar, assim como na entrada do Malaui, alguma solução. Quando chegamos ao lado moçambicano, percebi que a tarefa seria ingrata. Para facilitar a descrição do “prédio” da imigração, basta dizer que ele tinha um puxadinho feito de paredes de bambu que era, na verdade, um galinheiro. O português falado pelos oficiais de imigração ajudou na comunicação, o que fez com que eu entendesse ainda mais rápido que dessa vez não tinha jeito, teríamos que voltar. Não se via uma impressora, um telefone, uma máquina de escrever que fosse. Somente um talonário parecendo de notas fiscais, um caderno e um carimbo. Era tudo. Olhei para aquele ambiente de terra arrasada e me conformei que teríamos que voltar para o Malaui.

O oficial do Moçambique falou que em qualquer borda, menos naquela!, era possível pegar o visto na hora. Voltamos para a fronteira do Malaui e dissemos que teríamos que reingressar no país. O cara da alfândega falou que não tinha problema chegar na outra fronteira com a saída do Pezão já carimbada. Tínhamos então duas opções: pegar o visto em Blantyre, o que demoraria dois dias, e atravessar novamente essa mesma fronteira, ou ir até a fronteira oeste, o que garantiria algumas centenas de quilômetros a mais, e pegar o visto na hora. No caminho de volta começamos a avaliar as duas e vimos que eram ambas muito ruins. Teríamos poucos dias para rodar bons quilômetros pelo Moçambique, arriscando ficar pelo caminho na noite de ano novo ou, se chegássemos a tempo, estarmos moídos na virada. Decidimos então que tínhamos outra opção: voltar ao Lago Malaui. Era óbvio! Voltaríamos para o lago, chegaríamos ainda no dia 28 e passaríamos um réveillon relaxados. Tínhamos agora que decidir se procuraríamos outro lugar para conhecer ou se voltaríamos para os nossos amigos em Monkey Bay. Não pensamos muito e decidimos voltar para lá. Tínhamos certeza de que seria uma festa, o que aconteceu de fato.

Logo depois que estacionamos o Pezão no mesmo lugar... “TIGER!”, o figura veio nos cumprimentar. Logo depois, veio a nossa lavadeira. “Vocês voltaram! Que bom! Cadê minha irmã?!”. Sorri com o abraço dela pensando: “Nem sabia que ela tinha irmã...”. Depois entendi que ela falava da Du com singular intimidade.

Foram, novamente, dias fantásticos. Caímos no lago, apesar dos desaconselhamentos médicos, pegamos muito sol e nos divertimos com as crianças. Principalmente a Du, que já era conhecida da molecada e que chamava boa parte pelo nome.

Para o dia 31 tínhamos uma grande tarde prevista: uma festa com um show de reggae de um grupo extremamente famoso no Malaui. Isso, segundo Tiger. Nos preparamos para a festa: não bebemos na véspera, organizamos o almoço na hora certa, etc. Porém, às quatro da tarde o palco, que estava sendo construído a ritmo bem lento, ainda não se parecia com um palco. Perguntei ao John, o dono do local, que por sinal era gente finíssima e sempre ia nos perguntar se precisávamos de algo, se estava tudo certo. Ele, se desculpando, explicou que o pessoal da banda furara com ele e que o show tinha sido transferido para o dia seguinte. “Festa de réveillon na noite do dia primeiro?! Perfeito!”. Para nós realmente não fazia a menor diferença.

Aproveitamos a festa, que recebeu a visita de turistas direto de Cape Maclear, transferimos a ressaca para o dia dois e a saída para o dia três. Foi um período inesquecível da viagem e nos sentimos parte de uma família malauiana. A despedida, como era de se esperar, foi ainda mais emocionante que a primeira.

Na saída para a fronteira oeste, tivemos nosso único contratempo: fomos parados por um policial dizendo que estávamos acima do limite de velocidade. Realmente fomos gravados a 62 km/h, quando só poderíamos estar a cinqüenta. Aleguei que éramos turistas e que não havia nenhuma placa. Eles responderam que os cidadãos roubavam as placas. Sorri e falei que isso era menos culpa ainda minha. Aleguei que eles tinham que primeiro fazer a parte deles para depois fiscalizarem os usuários da via. Ficamos naquela discussão até eles dizerem que não havia jeito: teríamos que pagar a multa. Neguei-me a pagar a multa ali, na hora, por isso tivemos que esperar para ir à delegacia. Seguimos os malandros, que foram de carona na caçamba de uma pick-up que ultrapassou, sistematicamente, os limites de velocidade, e pagamos a multa, algo perto de trinta dólares. O custo maior, porém, foi outro: tínhamos perdido mais de duas horas nessa brincadeira.

Por causa dos policiais boa gente, chegamos à fronteira com o Moçambique no meio da tarde. O nosso caminho até a primeira cidade com hospedagem era longo, então alguma emoção seria esperada no nosso primeiro dia no país. Mas nosso ânimo estava totalmente em alta. Nada é melhor do que estar em festa e fazer amigos!




 
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