Seguindo o rumo Norte e cruzando o Peru E-mail
Sex, 26 de Fevereiro de 2010 18:11
08 a 25/02/2010

Iniciamos a travessia de mais um país: o Peru. Na verdade, seria o primeiro país que realmente atravessaríamos de uma ponta à outra, entrando ao sul e seguindo por toda a sua extensão rumo à fronteira norte, com o Equador.

Logo após a passagem pela fronteira com o Chile, fomos surpreendidos por uma tempestade de areia. Provavelmente essa tempestade não se compara com o que já vimos em algumas fotos de tempestades de areia no Saara. Quem sabe essa não mereça nem mesmo a denominação “tempestade”, mas foi o suficiente para perdermos parte da visão à frente e para simplesmente sumir o céu! Sem azul, sem sol, só areia. O interessante é que a tempestade começou, sem exageros, dois minutos depois de passarmos a fronteira. É como se ela não tivesse obtido visto para entrar no Chile!

O cenário rumo à primeira cidade, Tacna, não mudou tanto em relação ao Chile: costa do Pacífico com pedras e dunas. Muito seco, mas para quem passou pelo Atacama, moleza. Chegamos à cidade, que é uma zona franca, ao final da tarde. Apareceram para nós, no trânsito, uns personagens que seriam acompanhantes fiéis durante toda a temporada peruana: os táxis. Na verdade, em duas modalidades: um carro muito pequeno, tipo o antigo BR-800 da Gurgel, e o moto-taxi. Diferente do que vemos no Brasil, aqui o moto-taxi é mais sofisticado. Trata-se de uma moto adaptada como triciclo para levar dois passageiros. Nossa fotógrafa registrou. Simplesmente há milhares deles, BR-800s e moto-taxis. O Pezão ficou parecendo um elefante em meio a incontáveis roedores! Engraçadíssimo! O trânsito, com essa “galera”, é quase caótico. Valeu como ensaio para a Ásia, com direito a buzinas enlouquecidas e tudo mais.

Partimos já na manhã seguinte para Arequipa, nosso primeiro destino turístico, já subindo um pouco e afastando-se do Pacífico. Realmente a cidade é muito bonita. Sua beleza está um pouco restrita aos arredores da Plaza de Armas, mas é muito interessante. A arquitetura é bem antiga e lembra, guardadas as devidas proporções, uma cidade européia. Assim que chegamos, vimos uma central de atendimento ao turista. Show! A Du ficou lá e eu fui procurar um difícil estacionamento para o Pezão, que nessa altura já tinha recebido o carimbo de XG. Assim que deixei a Du, fui apresentado a outro personagem que seria constante, quase grudento, na nossa visita: a polícia peruana! Fomos parados diversas vezes e, para efeito deste relato, vale à pena ligar a ferramenta do portunhol:

- Ôôôla! Mas, por favor, se pare!!

- Disculpa... Algo errado?

- Sí! Sí! Pasaste dos veces por un pedido de parar de un guarda e no paraste!... Es una infracción grave!!

- Pero no vi ningun policial! Donde acontecera??!

- Al la tras! Dos veces!!

- Es imposible... 

- Por favor, su habilitación. (...) És brasileño, hã?... Estás viajando?

- Sí. Estamos en tránsito e iremos ao Ecuador.

- Pero esta es una infracción grave... Terei que prender su habilitación por seis días! Precisa de tu habilitación para continuar la viaje mañana, no precisa?

Já escolado com a polícia brasileira, tentei diminuir a importância do documento. Obviamente lembrando que nós tínhamos a carteira internacional para dirigir, e a que eu entregara fora a normal. Qualquer coisa, picávamos a mula assim mesmo e deixávamos a carteira de lembrança...

- En la verdad, no. Pretendemos ficar acá por uns cinco días, e podemos ficar mas un e pegar la habilitación. Encuanto esto, mi esposa maneja el coche. 

O figura voltou para o carro dele, no qual residia o policial com cara de mau, que de vez em quando rosnava para mim, e regressou coçando a cabeça:

- Tienes certeza que no precisa de la habilitación mañana? No estas viajando?

- Sí! No preciso!

Olhando para o Spot, ele mandou:

- Precisa de una permisión para usar esto!

- No preciso! No es un radio! Es un GPS! No precisa permisión!

- Acá en Perú precisa!

- No precisa! Tu no sabes o que es esto…

Aí ele se irritou e mandou:

- Siga-me!

Pensei: “o cara se emputeceu!”. Tive que seguir o “mala sem alça” por umas dez quadras até uma rua deserta. Comecei a ficar um pouco mais preocupado…

- Mira… [já me devolvendo a carteira] Jo no quero atraparar ninguem, entonces vou devolver su habilitación. E farei más… Darei su nombre e placa para o (…) [ esse nome eu não peguei e, obviamente, não pedi para ele repetir] para que passes sin problemas durante la viaje. En troca, peço solamente una pequeña contribución… O que puderes dar…

Me vi na merda, sozinho em uma rua meio deserta. Saquei o equivalente a seis dólares e estendi ao safado. Ele pegou satisfeito e ainda se ofereceu para me ajudar a voltar à Plaza de Armas... Valeu a enfrentada. Seria muito útil na frente. Ficou claro que o turista é alvo fácil pros malandros, porque normalmente não pode esperar muitos dias, está longe de casa e não conhece as leis locais. Mas pra quem viveu e dirigiu no Rio de Janeiro, não é tanta novidade assim. A briga com la policia peruana estava só começando...

Ficamos em Arequipa duas noites. Descansando dos dias anteriores de muita estrada. Aproveitamos para nos conectar à internet, falar com o pessoal e ver emails. Demos umas passeadas, mas não havia tanto assim para se ver. Partimos então para o Colca Canyon, uma região mais alta, um vale, na direção de Cusco. Aliás, neste momento desistimos de ir a Cusco e Machu Picchu. Todo mundo estava unânime em dizer que as chuvas trouxeram estragos grandes e que não valia à pena. Machu Picchu inclusive estaria fechado por alguns meses.

Partimos para a cidade que era a porta de entrada do Colca Canyon, chamada Chivay. O caminho, de subida, pois ela fica a 3600 metros de altitude, é lindo. O verde começou a aparecer. Achamos uma pousada bem simples, na verdade em uma cidade próxima de Chivay, Yanque. Toda a região é muito simples. Visitamos umas águas termales, que são águas aquecidas naturalmente em regiões vulcânicas. Na verdade, é meio mulambo... Muita gente na mesma piscina aquecida cheirando a ovo (vi depois que a água tinha 40% de saturação de enxofre... muy bueno!). Além disso, neguinho fica três horas lá dentro e você não vê ninguém saindo pra ir ao banheiro. Conclusões de cada um... Eu acho estranho! Se tivesse cerveja na mão, o que na verdade não era o caso, aí era batata! Mas fomos assim mesmo. Quente pra encrenca! Difícil de entrar, mas depois fica bem legal. Saímos de lá e fomos para a pousada. Como a cidade era pequena e não estávamos a fim de sair pra caçar um restaurante, pedimos pra usar a cozinha. Fizemos uma sopa que compramos em Arequipa, tipo Knorr, e mandamos pra dentro. Fomos dormir com um frio desgraçado! A Du usou uns quatro cobertores e tremia tanto que dava pra ouvir o barulho. Uma curtição [risos]!

No dia seguinte fomos passear no vale, com o destino final de ir ao Mirador Cruz del Condor, onde, rezava a lenda, poderíamos observar condores. O caminho foi muito legal. O vale é muito alto e a estrada fica a uns trezentos metros de altura em relação a um rio que passa abaixo. Realmente muito bonito e nossa fotógrafa novamente tirou onda. Paramos para comprar água em um figura. Não é que o cara tinha uma águia andina de estimação?! O bicho ficava em um poleiro gigante e ele fazia ela subir nos turistas para tirar foto. Não perdemos a chance. O cara a tinha há dezessete anos, segundo ele. Se ela não arrancou o olho de nenhum turista até hoje, não vai ser agora... Ela ainda fez a gentileza de se curvar toda antes e dar uma barrigada. Muita consideração. Ela era maneiríssima! Fotos e um vídeo de recordação!

Chegamos ao observatório de condores. Alguns ônibus de turistas na paisagem. O paredão natural em frente é indescritível! Ficamos por lá uma hora e conseguimos ver uns três ou quatro condores. Chama a atenção pelo tamanho e pelo pouco bater de suas asas. Durante o voo, obviamente. Boas fotos com a lente tele! Aproveitei para finalmente usar os binóculos, que até agora não tinham justificado suas passagens de primeira classe no avião de quatro rodas.

Voltamos pelo mesmo caminho que viemos, somente tendo a idéia de cruzar o vale e ir pelo outro lado. Na verdade, descer até o rio, cruzar uma ponte e subir para a estrada do outro lado é uma tarefa de quase uma hora. Por isso, longe da rota dos turistas, os povoados do outro lado são ainda mais simples. Paramos em um deles com a difícil missão de arrumar um lugar para almoçar. Havia só um “restaurante”. Na verdade uma birosca com três mesas. Sentamos e pedimos um frango. “- No hay!”. Perguntamos o que ela poderia fazer, então. “No hay nada”. Nada? Mas e as mesas ao lado?? “Foram los últimos...”. Ferrou... O que poderia fazer, assim, de emergência? “Hay huevos!”. E lá fomos nós comer arroz com ovo. Os pratos vieram da cozinha, nos fundos, até o mega salão de refeições devidamente protegidos da areia por uma das mãos garçonete, pois o vento fazia um trabalho incrível de tentar empoeirar nosso lauto almoço! Quando chegou, agradável surpresa! Veio uma batata cozida junto! Com o milho que pegamos no Pezão, ficamos felizes da vida com nossas refeições amarelas! No final, o equivalente a pouco mais de dois dólares pelas duas yellow foods. Justo.

Depois de uma noite mais bem dormida, mais preparados para o frio, fomos de volta à Arequipa para, depois de uma noite somente, seguirmos ao litoral. Rodamos bastante. As praias do sul do Peru não são das melhores. Aliás, como um todo podemos dizer que, para quem mora no Rio, não vale a pena viajar para o Peru pelas praias. De qualquer forma, os conceitos de “boa” ou “ruim” serão usados como comparativo interno. Temos que esquecer que conhecemos, por exemplo, Fernando de Noronha. Ficou claro que os maiores atrativos do país estão nas grandes altitudes, e neste ponto ficamos um pouco prejudicados pelo problema das chuvas. Enfim... Como as praias do Norte são melhores, optamos por acelerar no Sul e curtir mais pra cima. Após um dia, chegamos a um hotel de nome Puerto Inca, com uma pequena praia exclusiva de mesmo nome. Fantástico! Ele tinha a opção de acampar na beira do mar! Ficamos uma noite a três, com nosso amigo de metal. O barulho das ondas e uma leve brisa faziam um contexto excelente. Nos divertimos igual crianças com a câmera fotográfica e algumas lanternas.

Partimos no dia seguinte para Ica, no caminho para Lima. Chegamos ao início da tarde e deu tempo de correr atrás de um programa bem legal por lá, que é conhecer as dunas de Huacachina. Mais do que somente conhecer as dunas, fizemos um passeio sensacional no estilo das dunas de Natal, RN. Os peruanos, loucos, pegam uns carros grandes, tipo Dodge Dart, e transformam em uma “aranha” tubular que leva uns dez passageiros. Eles saem em disparada pelas dunas, subindo vinte, trinta metros e despencando em meio aos gritos da gringalhada! Fantástico! Fazem o passeio de Natal virar coisa de criança. A famosa frase “com ou sem emoção?” aqui seria mais para “com ou sem risco de morte?”!! O nosso piloto chamava-se Jesus. Quando ele começou a acelerar aquela jubiraca barulhenta, eu achei que fosse explodir! O mais legal é que, quando ele sobe uma duna, você não sabe o que tem do outro lado! O cara sabe, mas você não! Na minha cabeça passava o seguinte: “o arrojado faz isso todos os dias! Não é possível que vá dar cagada justamente hoje...”. Depois de sobrevivermos ao volante nervoso de “Jesus my pilot”, teve uma outra parte boa: descida de sandboard! Muito bom! Tentei umas duas vezes em pé. Não passei de cinco quilômetros por hora... Ridículo. Depois de vermos uma gringa passar a uns oitenta por hora, fazendo da prancha um morey boogie¸ adotamos o estilo superman e nos arremessamos de peito! Bem melhor! A Du foi primeiro. As pranchas voaram baixo. Show! Fizemos um vídeo excelente da pilotagem do Jesus! Vale ver. A máquina G10, coitada, pagou o pato e ficou rangendo de tanta areia... Precisou de auxílio médico.

Logo de manhã cedo partimos pra Lima, sem dificuldades na estrada e sem grandes mudanças no cenário. Até certo momento... Quando chegamos a uns 50 quilômetros de distância, percebemos que estávamos chegando, enfim, à nossa primeira capital. De bom, a mudança da estrada para pista dupla. De ruim, o começo da confusão. Carros e caminhões para todos os lados. Taxis, obviamente! E trânsito. Muito trânsito! Um verdadeiro nó de carros velhos. Chegamos no meio da tarde e fomos direto para o bairro mais legal de Lima, Miraflores. Depois de quase uma hora procurando abrigo, achamos uma espécie de albergue. Muito legal, com pessoas incrivelmente solícitas. Aliás, uma melhora significativa em relação ao Chile. Aqui as pessoas são bem mais prestativas e atenciosas. 

Nossa hospedagem ficava numa parte muito calma da cidade e incrivelmente perto de um restaurante brasileiro! Finalmente mataríamos a saudade do feijão preto! Fomos lá na mesma noite e o feijão  estava fantástico. Estilo feijoada. O bife nem tanto. Aqui devem ter certeza que o estilo brasileiro de bife é o estilo “sola”. Mas, valeu pelos frejoles!

Aproveitamos que estávamos em uma cidade grande e procuramos uma assistência técnica para a G10. Achamos uma boa loja da Canon e fomos lá deixar a máquina. Longe de Miraflores, o trânsito era simplesmente fascinante. Não somente pela quantidade de veículos, mas também pela total desorganização! No dia seguinte resolvemos conhecer o Centro de Lima. Decidimos deixar o Pezão no estacionamento pra não estressá-lo mais. O pessoal do albergue nos deu a brilhante idéia de ir de ônibus! Com espírito aventureiro, lá fomos nós! Foi uma viagem de uns quarenta minutos em uma ascendência de temperatura do tipo um grau a cada quilômetro rodado! No meio do caminho, a Du já não falava mais nada nem se mexia, pra não aumentar o calor. Na saída do ônibus demos uma respirada igual à de alguém que estava quase se afogando! Na Plaza de Armas conhecemos um bar muito maneiro, El Estadio, com motivos futebolísticos. Muito maneiro. Tinha escudos, camisas e pôsteres de vários times e seleções. Obviamente, procurei as cores do Mengão. Comecei a ficar preocupado quando vi escudos do Corinthians, São Paulo, Cruzeiro... Caminhando um pouco mais achei um escudo do Inter e, revoltado, vi o escudo e uma faixa de campeão do Grêmio! Nada de Flamengo... Olhei para o lado e praticamente tive que sentar em uma cadeira quando vi o escudo do Fluminense! Silenciosamente ofendi barbaramente os donos do bar. Sem esmorecer, resolvi tirar satisfações com um garçom! Falei: “Donde estas el Flamengo?!”. Ele sorriu e me levou a um andar de baixo, onde, perto da escada, o Mengão tinha um belo destaque. Havia, não rubro-negros morram de inveja!, um escudo, uma CAMISA do ZICO e um pôster do time de 87! Fiquei satisfeito e aliviado, e pedi igualmente silenciosas desculpas aos donos do local.

Ficamos mais uns dias em Lima e fomos à praia. Xôxa. Pedras, muitas pedras. Tivemos que entrar no mar de Havaianas, o que rendeu umas boas risadas! Saímos depois de três dias, deixando aqui um forte abraço ao pessoal do albergue. Boa gente. Pedimos para colocarem umas “Cartas da Terra” no mural e partimos em direção ao Norte.

A saída de Lima foi difícil. Tivemos que passar na assistência pra buscar a G10 e acabamos no meio do mafuá. Sem muita orientação, tentávamos achar a Rodovia Panamericana. Obviamente, perdidos, viramos alvo fácil dos nossos amigos policiais. Certa hora, estava navegando quando vi uma moto que levava consigo um policial gorducho, meio sargento, meio bulldog. Mandou encostarmos...

- No se pode! Estas na pista de autobuses!

O pitbull estava, para nossa infelicidade, certo. Agora imagina me livrar do Chips canino estando errado?! Danou-se...

- Es verdad! Peço mil disculpas! No vimos...

- Documentos, per favor...

Essa foi a parte boa! Enquanto olhava os documentos, ele pegou o celular e começou a falar:

- Ôla... Estoi aca con um coche brasileño que cometeu una infracción... Qual seria lo procedimento?.. (...) Ah! Sí, sí...

Eu e a Du nos falamos com o olhar... Disse baixinho: “Aposto que a ligação é mentira... O cara tá de sacanagem com a nossa cara!”

Aí ele veio do meu lado e começou a falar meio pra dentro. Já é difícil de entender quando falam direito, então daquele jeito ficou impossível! “No quero atrapajar ninguém... Blá, blá, blá... Pero és uma infración... Pi, pi, pi... Pero que se pode ajudar...”. Não entendi muita coisa e pedi pra ele falar melhor. Aí ficou clara uma boa estratégia! O sangue-bom, pra pedir propina, tem que falar meio subentendido, na maciota, o que deixa a brecha para um belo: “No compriendo!!”. Depois do segundo amarelado e sorridente “No compriendo!!” ele desistiu e, devolvendo-nos os documentos, estendeu a mão para um caloroso, quase fogoso, aperto de mãos! Patético...

No final foi bom termos sido parados, pois descobrimos que estávamos errados cento e oitenta graus! Fizemos meia volta e começamos a acertar o caminho. Quando estava começando a ficar com cara de estrada e que o trânsito iria andar... O que aconteceu? O que? Fomos parados pela polícia!! Começou a dar nos nervos!! Paramos...

- Pero cometeste una infración!! No deste sinal intermitente para adelantar-se!!

- Mas como? Es impossível! Além do más, es uma vergonha diseres esto! La maioria dos coches que trafegam acá nem possuem la luz intermitente!!

Era realmente uma afronta! O cara cobrando termos jogado ou não uma seta, quando a maioria dos carros estava aos pedaços!! Alguns sem farol! Alguns caminhões de carga eram tão acabados que, na verdade, não tinha caminhão, só carga! Ficamos putos!

- No es justo! Ninguem, simplesmente ninguém, usa la intermitente! Assim no es possible!

- Pero terei que aplicar la multa...

- Ok! Vá en frente! Aplique la multa.

Nisso ele pegou o talonário de multas e, com os documentos em mãos, começou a falar na mesma língua canina do colega de minutos atrás: “No quero atrapajar ninguém... Blá, blá, blá... Pero és uma infración... Pi, pi, pi... Pero que se pode ajudar...”. Mandei uns três “No compriendo!!” seguidos!! Mais uma vez funcionou, e depois de uns cinco minutos ganhei um novo e, desta vez, ainda mais caloroso, aperto de mãos! Essa valeu umas risadas!

Conseguimos, enfim, alcançar a estrada e a viagem começou a render um pouco. No almoço, fomos abordados por um figura que perguntou da viagem, acontecimento constante por causa do emperequetado Pezão, e falou que estava indo para as imperdíveis, palavras dele, ruínas de Caral. Realmente Caral era bem no caminho, desviando uns vinte e cinco quilômetros da estrada, então decidimos ir. Era bem legal, com umas pequenas pirâmides em ruínas. Por indicação também do nosso guia arqueólogo pós-almoço, entramos depois na internet e vimos um vídeo da BBC que fala de Caral. Se não me engano, aparece no Google Vídeos se colocar “As pirâmides perdidas de Caral”. Tem uma teoria de que ali seria a primeira cidade a utilizar a tecnologia de construções piramidais, o que chamam de Mother City, e que teria uma importância grande para os Indiana Jones de plantão. Coisa assim...

Saímos de Caral com o objetivo de chegar a uma pequena cidade litorânea, chamada Huarmey. Já quase no pôr-do-sol, fiz uma ultrapassagem e tive que buzinar para um carro não entrar na pista sentido contrário, vindo de uma perpendicular. Olhei e não havia sinalização no chão. A concessão para administração da estrada havia terminado e, com ela, a qualidade da pista. Na hora me veio à cabeça: “ Não deve poder ultrapassar aqui!”. Neste mesmo momento a Du gritou: “Ih! Polícia!”. Simplesmente continuei olhando para a frente. A Du novamente: “O cara mandou parar!”. Olhei pra frente, fingi que não vi e pensei: “Parar é o escambáu”! A Du falou que o cara saiu do carro igual a uma libélula, abanando os braços e mandando parar. Ficamos com medo que viessem atrás, mas na direção do carro deitava-se em berço esplêndido o colega da libélula e, até ele entender o que se passava, já sumíamos no horizonte. Ficamos espertos por um bom tempo, com medo de um alarme via rádio de “fugitivos altamente perigosos em nave espacial branca”, mas a precariedade da polícia nessa hora jogou a favor e passamos incógnitos por outras viaturas.

Chegamos à Huarmey no final do dia. Uma cidade muito pequena, na qual tivemos alguma dificuldade para achar abrigo. Acabamos em uma pousada muito simples, ainda em estado um pouco precário, pois os atuais donos tinham acabado de alugar o local e estavam colocando-o para funcionar. Tratava-se de uma família de um casal e seus quatro filhos. Pessoal muito esforçado, que fazia de tudo sozinho, sem empregados. Desde arrumar os quartos, cozinhar, receber os hóspedes... Uma família especial na qual a caçula, a pequena Mari Cielo, nos espantou com tamanha desinibição e esperteza. Pedimos a cozinha emprestada para preparar um quebra-galho, o famoso macarrão alho e óleo no melhor estilo World Experience, e o tempo voou contando e ouvindo histórias com a inteligente Mari Cielo. Quando falamos de quanto tempo tínhamos levado para chegar do Rio até lá, ela exclamou: “Es algun recorde??!”. Fantástico!

Após Huarmey, seguimos ainda pelo litoral e paramos em Huanchaco. Uma cidade praiana sem grandes atrativos, famosa pelos Caballitos de Totora: uma embarcação feita de uma espécie de palha, o junco, na qual os nativos usam pra pescar, mas que acabou virando atração turística com direito a uma arriscada nas ondas. Arrisquei um aluguel de uma prancha, pois a formação das ondas estava quase perfeita. Porém, juntando a arrebentação meio longe, um certo tamanho de ondas e meu tempo longe de una tabla, foi um desastre! Quem sabe depois... 

Nosso novo objetivo, um dos mais esperados, era Mancora, um dos melhores destinos peruanos de praia. A viagem seguiu tranqüila. Viemos ouvindo o livro “Feliz Ano Velho”, do Marcelo Rubens Paiva. Foi muito bom, pois o cenário simplesmente não mudava, e esta foi uma das maiores pernadas nossa... Umas nove horas dentro do carro. Antes da chegada, fomos brindados por mais uma emocionante parada policial! Não dá tempo nem de sentir saudades! Dessa vez não fizemos nada de errado e o cara também não inventou nada. Pediu documentos. Apresentei, orgulhoso, o kit completo. Passaporte carimbado, carteira de motorista, documento do carro (aliás, aqui uma dica: usar o DUT Recibo. Acho que se mostrássemos um documento escrito “Exercício 2009” ia dar margem pros caras encherem mais o saco!) e o documento da alfândega de entrada do carro. O cara pegou tudo, eu com aquele sorriso “se ferrou, seu pastel”, e mandou: “Donde estas lo seguro obrigatório?” Pelamordedeus! O cara conseguiu inventar algo pra nos encher o saco! Olhei pra minha mão e estava com o Seguro Carta Verde. Um seguro que é válido somente no Mercosul e que foi necessário para passar pela Argentina. Tive dois segundos para pensar... O seguro não valia no Peru! Não quis nem saber! Mandei o seguro! Ainda falei: “Mira! Sul América Seguros”. Estava escrito “Mercosul” imenso no alto. Esperamos... “Esta bien... Podem ir...”. O bundão deve ter achado que Mercosul é algum mega mercado de seguros que acontece no sul de algum lugar, de algum país, que ele não conhece. Gargalhamos! Chegamos a Mancora, e realmente a praia é bem melhor, lembrando o conceito no início do Diário. A Du tirou umas fotos imperdíveis do pôr-do-sol... Resolvemos ficar três dias, para curtir uma praia, já que voltaremos ao interior nos caminhos equatorianos. Na nossa pousada encontramos três motoqueiros espanhóis boa praça que estão fazendo uma viagem bem legal: mandaram as motos para a Argentina e vão até o México. Isso em quarenta dias! Bem corrido. Eles têm um blog: www.santanderadventure2010.blogspot.com. Ficamos sabendo que havia um quarto motoqueiro na viagem que se acidentou na Bolívia. Teve que ser operado em La Paz e voltou para a Espanha. Parece que está bem. Sorte aos três no caminho ao México e boa recuperação ao acidentado!

Deixamos Mancora com destino à fronteira com o Equador. Uma viagem tranqüila. O verde começou a aparecer, então percebemos o quanto ele faz falta. Cruzamos ambas as fronteiras sem grandes demoras e começamos a subir a serra para nossa primeira cidade equatoriana: Cuenca. O Peru deixou a impressão de ser um país muito pobre, de povo bem sofrido. Não chegamos a ter a oportunidade de conversar com algum peruano mais esclarecido para saber se as perspectivas de futuro são boas ou ruins, mas esperamos que sejam as melhores. Mais um país visitado! Um mês de expedição! Muitas experiências... E é só o começo!










 
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